Providência Divina

Há algumas semanas fiz um curso no Centro, na Escola de Contas e Gestão do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Para chegar lá, segui com o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), Linha 4, partindo do Terminal Intermodal Gentileza. Muitas recordações vieram à minha mente quando passei por um determinado ponto, onde, em 1999, vivenciei sufoco que quase ceifou minha vida.

Interior do VLT, onde fiz a filmagem.

Naquele ano eu era Subgerente de Departamento da Gerência de Vetores, instância pertencente à Companhia Municipal de Limpeza Urbana (COMLURB), e uma de minhas missões era acompanhar o trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde – precursores dos atuais, lotados nas Clínicas da Família – que realizavam ações de controle de roedores e mosquitos nas comunidades da cidade do Rio de Janeiro. Essas pessoas moravam nas próprias comunidades e eram contratadas pelas associações de moradores, via convênio com a COMLURB, objetivando, pelo menos na teoria, maior facilidade no deslocamento e no acesso às residências. Muitos problemas existiam nessa modalidade de contratação, como veremos adiante, incluindo pessoas indicadas pelo tráfico e que simplesmente não atuavam e/ou geravam transtornos constantes ao serviço.

Vista parcial do Morro da Providência.

Fui, numa dessas supervisões, ao Morro da Providência, localizado no bairro da Gamboa, onde surgiu a primeira favela do Brasil, com povoamento iniciado em 1890 segundo a bibliografia. Acompanharam-me na ocasião dois profissionais da Companhia, um Supervisor de Campo e o Subgerente da Divisão Operacional que atendia o Centro.

Como de praxe, sempre que íamos a uma comunidade antes de qualquer coisa fazíamos visita à associação de moradores local para nos apresentar, informar o que estávamos fazendo lá e solicitar acompanhamento de alguém para facilitar nossa movimentação. Entenderam, né? Ocorre que, no dia de nossa fatídica supervisão à Providência, quem se prontificou a nos acompanhar foi o vice-presidente daquela associação. O camarada era nascido e criado no interior da favela. Detalhe: sempre usou barba… mas naquele dia resolveu raspá-la. Vai vendo!

Uzi, a submetralhadora: cara a cara.

Ao sair da associação de moradores, fomos a outra entrada da Providência, que vocês podem verificar no vídeo acima, e iniciamos a subida. Nem demos 20 passos e, surgidos do nada, vários meliantes vieram nos abordar. Todos fortemente armados e nem um pouco solícitos, claro. Eu, por exemplo, fui cercado por três sujeitos, cada um deles portando uma submetralhadora Uzi, aquela mesma que o Schwarzenegger gostava de usar nos filmes. Os meus colegas também foram encurralados e, tendo em vista a situação tensa, confesso que nem consegui perceber qual o tipo de armamento estava sendo, também, apontado para as cabeças deles.

E onde estava o nosso acompanhante, o vice-presidente da associação? No mesmo apuro, rodeado por traficantes armados. Ele gritava “eu sou fulano”, “eu sou fulano”, até que um dos bandidos, talvez o mais lúcido naquele momento, falou: “rapaz, não te conhecemos, tirou a barba, quase matamos todos vocês!”

O Teleférico da Providência, que custou 75 milhões, foi inaugurado em 2014 mas sofreu uma paralização em 2016. Foi reinaugurado em 2024 a um custo adicional de 42 milhões de reais.

Após essa confusão, que por muito pouco não foi mortal, ainda subimos o morro com as pernas meio trêmulas, tomamos outra “dura” lá no alto (menos intensa e assustadora) e acabamos por constatar que todos os Agentes Comunitários contratados estavam em seus lares, confortavelmente sentados nos sofás, assistindo à época, salvo engano, o Xou da Xuxa ou algo semelhante. Trabalho, naquela manhã, não houve. A partir desse episódio, e de outros tantos, esse tipo de contratação foi revista e, posteriormente, extinta.

Sobre Mauro Blanco

Sou carioca da gema, morador da Zona Oeste, tricolor, bacharel e mestre em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e servidor concursado da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, lotado na Superintendência de Vigilância Sanitária. Já atuei como Oficial Temporário no Exército Brasileiro, na Companhia Municipal de Limpeza Urbana (como Subgerente na Gerência de Vetores), na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (como Coordenador de Controle de Vetores, Coordenador de Vigilância Ambiental em Saúde e Diretor do Centro de Vigilância e Fiscalização Sanitária em Zoonoses Paulo Dacorso Filho), na Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais, instância pertencente à Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, como Subsecretário, e na Secretaria Municipal de Proteção e Defesa dos Animais, também Prefeitura do Rio, como Chefe de Gabinete.
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4 respostas para Providência Divina

  1. Nilson Martins disse:

    Coisas do nosso Río de Janeiro. O que era pra ser uma solução quase provoca o problema.

  2. Ivo Câmara disse:

    Acho que se fosse nos dias de hoje, seria ainda mais arriscado. Pois atiram primeiro, depois perguntam quem sería.

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