A volta da que não foi

Outro dia desses, num final de semana, estava eu aqui em Campo Grande, bairro onde resido, procurando estacionar. Precisava ir a uma loja de ferragens localizada na Estrada das Capoeiras e, como não encontrava vaga em lugar algum, dei volta no quarteirão e acabei encontrando espaço para deixar o carro no início da antiga Estrada Rio-São Paulo, bem em frente de um local que me traz muitas recordações.

Lá, localizavam-se a Divisão Operacional IX de Controle Vetores – AP 5.2 (existiam à época dez Divisões), a Gerência de Transportes, a Divisão de Ultrabaixo Volume (fumacê) e o Setor de Manutenção, todos pertencentes a uma instância na qual estive à frente no período de 2001 a 2009, a virtual Coordenação de Controle de Vetores (CCV). Parte da história da CCV foi contada aqui neste Blog e, se quiser saber mais, clique aqui. Enfrentamos, eu e os Agentes de Saúde (Endemias e Vetores) que faziam parte da CCV, epidemias graves de Dengue, notadamente nos anos de 2002 e 2008.

O curioso é que nunca havia reparado na placa que foi disposta no pátio daquela repartição, que antes da nossa chegada à Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS) pertencia ao Governo Federal, conhecida apenas como DNOS, sigla que corresponde a “Departamento Nacional de Obras e Saneamento”, estrutura que vem da época da extinta, há muito, Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM).

Qual não foi a minha surpresa quando descobri, na placa supracitada, que num processo de 2019, muito após a minha saída da CCV, aquela instância ainda consta ao menos no imaginário da Municipalidade. Fui verificar até no Sistema Integrado de Codificação Institucional (SICI), onde toda a estrutura da Prefeitura do Rio pode ser examinada na Internet (inclusive nomes das chefias, endereços, contatos, etc.), e nada encontrei no campo destinado à SMS. Fui direto na Superintendência de Vigilância em Saúde, nossa lotação virtual pretérita, e obviamente fiquei a ver navios.

Ainda sobre a placa, igualmente inusitado é o fato de que informações importantes, que deveriam constar numa obra pública para dar transparência aos gastos realizados à população, não estão registradas. Não há registro sobre o custo total da obra, nada sobre a data de início e nem o prazo de conclusão. Ligar para o 1746 para saber detalhes soa como piada. Tudo muito estranho…

Bom, se as obras tiveram início em 2019, ou próximo disso, é importante frisar que estamos em 2024 e, pelo andar da carruagem, trata-se de uma “obra de igreja”. Mas não é só a morosidade que chama a atenção. Fiz contato com alguns colegas que ainda estão na ativa e os mesmos informaram que foram deslocados para outro bairro, onde se encontram num ambiente laboral precário, visando liberar o local para as intervenções. Sem previsão alguma para retorno, diga-se de passagem. Sobre a obra, especificamente, disseram que há dias em que algum pedreiro trabalha, há outros que não. Ainda segundo os antigos companheiros, o serviço que lá está sendo executado é de péssima qualidade. Daí se pode entender, salvo melhor juízo, o porquê da falta de dados imprescindíveis na tal placa.

A CCV, ressalte-se, nunca fez parte do organograma oficial da SMS, apesar da minha insistência e a da nossa Superintendente à época, a incrível Dra. Meri Baran, competente médica pediatra e epidemiologista. Existiu de fato mas nunca de direito, sendo que toda a sua estrutura, incluindo, obviamente, os profissionais foi absorvida após a sua “extinção” pelas Coordenações de Saúde das Áreas de Planejamento da cidade do Rio de Janeiro.

Organograma da Virtual CCV. Nesse período já não contávamos mais com a Gerência de Controle de Roedores, que havia retornado à Companhia Municipal de Limpeza Urbana, sua origem.

A expressão “a volta dos que não foram” é um ditado popular utilizado para descrever uma situação em que alguém retorna ou reaparece de forma inesperada, mesmo que não tenha participado ou sido convidado anteriormente. Podemos dizer o mesmo em relação à CCV, que voltou sem nunca ter ido.

Sobre Mauro Blanco

Sou carioca da gema, morador da Zona Oeste, tricolor, bacharel e mestre em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e servidor concursado da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, lotado na Superintendência de Vigilância Sanitária. Já atuei como Oficial Temporário no Exército Brasileiro, na Companhia Municipal de Limpeza Urbana (como Subgerente na Gerência de Vetores), na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (como Coordenador de Controle de Vetores, Coordenador de Vigilância Ambiental em Saúde e Diretor do Centro de Vigilância e Fiscalização Sanitária em Zoonoses Paulo Dacorso Filho), na Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais, instância pertencente à Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, como Subsecretário, e na Secretaria Municipal de Proteção e Defesa dos Animais, também Prefeitura do Rio, como Chefe de Gabinete.
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2 respostas para A volta da que não foi

  1. Loildson Oliveira dos Santos disse:

    Muito bom!
    A maioria das pessoas não tem conhecimento sobre a CCV e o que foi relatado.

    • Mauro Blanco disse:

      Sim, caro Loildson. A CCV foi uma instância importante para a Saúde Pública do município do Rio de Janeiro, que absorveu, à época, os profissionais e as incumbências que outrora eram da alçada do Governo Federal, com todas as dificuldades e desafios que isso representou. Sobrevivemos, trabalhamos muito e, tenho certeza absoluta, não fizemos feio. O que escuto, agora, de todos os colegas “da antiga” que encontro pelas calçadas da vida (inclusive as virtuais), é que todo o trabalho que construímos foi ladeira abaixo. Uma lástima.

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